PARECER JURÍDICO
EMENTA: DESCLASSIFICAÇÃO DE EMPRESAS COM EXISTÊNCIA DE SÓCIOS PARENTES ENTRE OS CONCORRENTES. SUSPEITA DE FRAUDE À LICITAÇÃO.
Serve o presente Parecer Jurídico a fim de orientar e salvaguardar o estrito cumprimento legal do processo licitatório. A priori, ressalta-se que o processo licitatório se rege por diversos princípios, alguns de ordem constitucional, como os da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade, da eficiência e da isonomia entre os licitantes.
Há ainda outros princípios introduzidos por leis ordinárias, a exemplo do art. 3º da Lei de Licitações e Contratos, que preveem expressamente os princípios da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, do desenvolvimento nacional sustentável, da igualdade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e de outros correlatos.
Entre esses princípios correlatos, o TCU entende existir o da competitividade, conforme se verifica no seguinte excerto do voto do Ministro Relator Marcos Bem Querer do Acórdão 775/2011-TCU-Plenário3:
- De ressaltar que a competitividade está associada à efetiva disputa entre os participantes do certame. No caso, observa-se que devido ao fato de as licitantes pertencerem aos mesmos proprietários parentes vai prevalecer o interesse do grupo societário como um todo em detrimento dos interesses isolados de cada empresa, o que afasta a real disputa entre elas.
- Segundo o escólio de Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da competitividade é da essência da licitação, tanto é que a lei o encarece em alguns dispositivos, como no art. 3º, § 1º, inc. I, e no art. 90, todos da Lei n. 8.666/1993 (Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 25ª Ed., 2008, p. 526).
- Sobre o princípio em foco, esclarece José dos Santos Carvalho Filho: “deve o procedimento possibilitar a disputa e o confronto entre os licitantes, para que a seleção se faça da melhor forma possível. Fácil é verificar que, sem a competição, estaria comprometido o próprio princípio da igualdade, já que alguns se beneficiarão à custa do prejuízo dos outros.” (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 23ª ed., 2010, p. 268).
- Assim, os incontestáveis vínculos entre as licitantes comprovam a inexistência de real competição no certame, norteadora das licitações públicas.
Ora, a existência de sócios parentes entre os concorrentes afronta escancaradamente o § 3º do art. 3º da Lei Federal 8.666 de 1993, determinante de que o sigilo quanto ao conteúdo das propostas deverá ser observado até o momento de abertura delas.
Na contramão do exposto, as empresas participantes argumentam que não exista restrição legal no tocante à participação em licitações de empresas que possuem sócios parentes e que vedar essa participação estaria ferindo, em tese, os princípios constitucionais da inocência presumida, da dignidade da pessoa humana e da liberdade de agir.
De fato, a lei de licitações não faz menção quanto à supracitada proibição, entretanto ela faz alusão a vários princípios a serem observados, tais como o da moralidade, da impessoalidade e da isonomia.
Note-se que os princípios comumente citados pelas empresas, que poderiam ser ofendidos (inocência presumida, da dignidade da pessoa humana e da liberdade), estão voltados ao interesse particular, contudo, em se tratando de licitação/contratação em que envolve o patrimônio da coletividade, a Administração Pública, consoante determina o art. 37 da CF, deve obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Ressalta-se, ainda, que na disputa entre o interesse público e o privado há de prevalecer o público (princípio da supremacia do interesse público). Na contratação, a Administração Pública busca, por meio do procedimento licitatório, obter a melhor vantagem, em preço e em qualidade, todavia, se empresas do mesmo grupo familiar participarem do certame, afastar-se-á a competitividade, direcionar-se-á àquela família e impossibilitar-se-á o alcance da melhor vantagem, culminando em fortes indícios de fraude ao certame. Nesse sentido, posiciona-se de maneira uníssona o TCU:
GRUPO I – CLASSE VII – Plenário
TC nº 005.057/2009-0
NATUREZA: Representação
ÓRGÃO: Prefeitura Municipal de Cerro Corá/RN
INTERESSADO: Tribunal de Contas da União
SUMÁRIO: REPRESENTAÇÃO. CERTAME PROMOVIDO PELA PREFEITURA MUNICIPAL DE CERRO CORÁ/RN PARA A AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. AUSÊNCIA DE COMPETIÇÃO MATERIALIZADA PELA EXISTÊNCIA, NAS EMPRESAS PARTICIPANTES, DE RELAÇÃO DE PARENTESCO ENTRE OS SÓCIOS E DE SÓCIOS EM COMUM. CARACTERIZAÇÃO DE FRAUDE À LICITAÇÃO. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE, DA IGUALDADE, DA IMPESSOALIDADE E DA PROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUDIÊNCIAS. REJEIÇÃO DAS RAZÕES DE JUSTIFICATIVA. APLICAÇÃO DE MULTA AOS RESPONSÁVEIS E DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE DAS EMPRESAS ENVOLVIDAS PARA LICITAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 58, INCISO II, E 46 DA LEI N° 8.443/92. DETERMINAÇÕES. ARQUIVAMENTO.
Pelo exposto, a existência de sócios com parentes entre os concorrentes ofende os pressupostos da licitação, uma vez que a competitividade, condição fundamental para se selecionar a melhor proposta para Administração, deixa de existir, em virtude da relação de parentesco entre os sócios das empresas participantes, diante dos motivos expostos, fundamentados na Lei Nº 8.666/93 bem como a lei nº 10.520/2002, decisões proferidas com entendimentos pacificados nos Tribunais e na doutrina.
Artigo representativo da opinião dos advogados do escritório Renato Monteiro, capitaneado pela advogada Sabrina Nolasco.