Cláudio Azevedo Costa[1]
Sumário: 1. Introdução; 2. A Edição da Lei Anticorrupção e a compliance nas empresas; 3. Pré-requisitos para implementação de programas de compliance. 4. Pilares do Programa de Compliance; 5. Desafios e tendências; 6. Práticas positivas para a integridade; 7. Considerações Finais; 8. Referências Bibliográficas.
Resumo: A edição da Lei 12.846/2013, trouxe, além da responsabilidade objetiva, a importância da existência de programas de compliance como fator atenuante à aplicação das sanções previstas na referida Lei. Contudo, para que o programa de compliance seja efetivo é necessária a observância de requisitos e componentes essenciais. Não obstante tal necessidade, a realidade brasileira retrata a existência de impactos distintos em relação ao tamanho das empresas, haja vista que a maioria delas é de pequeno porte, fazendo com que os custos de implantação sejam um dos maiores desafios para a compliance. Assim, considerando um mercado conectado e seletivo foram apresentadas possíveis medidas e experiências para que essas empresas possam atuar dentro de um ambiente ético e integro.
Palavras-chave: Lei Anticorrupção; Compliance; Integridade.
1.Introdução
Em resposta ao movimento global de enfrentamento à corrupção, liderado por diversos países e organizações como Foreign Corrupt Practices Act-FCPA, Organização dos Estados Americanos-OEA, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico-OCDE, o Brasil editou em 2013 a Lei nº 12.8462, que trouxe, dentre outros assuntos, a necessidade de as empresas possuírem programas de compliance como atenuantes as sanções a serem aplicadas àqueles que praticarem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira.
A partir desse novo contexto, o setor empresarial se viu na necessidade de internalizar conceitos e estruturas existentes em um programa de Compliance3, fato que depende da compreensão dos requisitos essenciais a sua implantação, bem como dos elementos necessários que dão sustentação ao programa.
Contudo, em que pese a questão da responsabilidade objetiva, há questionamentos na linha de que os custos e outros fatores têm dificultado a implementação dos programas de compliance. Em contraponto, os custos da “não compliance” podem ser muito maiores, sem considerar os impactos reputacionais e de mercado a que as empresas estão submetidas.
Nessa perspectiva, este trabalho objetiva apresentar os desafios e tendências para implementação de um programa de compliance nas empresas, sinalizando as principais dificuldades e possíveis soluções, em face da realidade empresarial brasileira. Para tal finalidade, abordará inicialmente os aspectos conceituais, os elementos essenciais para a sua implementação, a realidade empresarial brasileira e os desafios e tendências, elencando alguns instrumentos que já estão sendo utilizados para demonstrar a importância se atuar num ambiente empresarial ético e íntegro.
2. A Edição da Lei Anticorrupção e a compliance nas empresas
A Lei Anticorrupção constituiu-se um marco, no âmbito das medidas adotadas pelo Governo Brasileiro, no enfretamento da corrupção, definindo preceitos fortes quanto à responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas que cometam atos lesivos contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
Não obstante a relevância dos aspectos jurídicos contidos na estrutura da Lei Anticorrupção, abrangendo a responsabilização administrativa, o acordo de leniência, o processo administrativo de responsabilização e a responsabilização judicial. A previsão de atenuantes na aplicação de sanções às empresas que demonstrem a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica, tem nominado o referido instrumento como a Lei da Compliance.
Partindo da interpretação usualmente utilizada, o termo Compliance deriva do verbo to Comply[2] que significa cumprir ou estar em conformidade com normativos legais, a dimensão da aplicação do referido termo na Lei é muito mais abrangente do que a simples interpretação literal apresentada, sendo melhor entendida como um conjunto de ações que buscam ampliar os mecanismos de integridade da empresa.
Essa abrangência, sob a ótica do desincentivo a práticas corruptas é definida por CANDELORO; RIZZO; PINHO, 2012, como um conjunto de regras, padrões, procedimentos éticos e legais, que, uma vez definido e implantado, será a linha mestra que orientará o comportamento da instituição no mercado em que atua, bem como a atitude dos seus funcionários[3].
Não por outro motivo, a regulamentação da Lei anticorrupção por meio do Decreto 8.420/2015[4], detalha melhor as ações voltadas à compliance como o conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia por de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Assim, objetivando dar cumprimento à referida lei e seguindo a tendência das leis impostas por outros países, o setor empresarial passou a incorporar a integridade ao conceito de governança corporativa[5](IBGC,2018), sendo necessário que ela cumpra de igual forma requisitos éticos e esteja em conformidade com os preceitos legais afetos a suas relações comerciais para atingir seus objetivos.
Note-se que ao incorporar a compliance como instrumento de governança, remonta-se também a necessidade de revisão do planejamento estratégico da empresa quanto a sua visão, valores e objetivos, de modo que todos stakeholders, internos ou externos, possam visualizar claramente a intenção da empresa em adotar práticas legais, éticas e transparentes.
3. Pré-requisitos para implementação de programas de compliance
A implementação de programas de compliance ou integridade não é algo tão trivial, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico-OCDE,[6] no Guia de Boas Práticas sobre Controles Internos, Ética e Conformidade,2010, elenca vários pré-requisitos necessários à implantação de um programa de integridade, quais sejam;
- Comprometimento e suporte da alta administração;
- Política clara e articulada contra fraudes, corrupção, lavagem de dinheiro e desvios de conduta ética em geral;
- Estabelecer como dever de todos os empregados o respeito e cumprimento das normas afetas ao Programa de Compliance;
- Compliance Officer deve atuar com autonomia e independência;
- O Programa deve ser elaborado de forma que também possa ser aplicável aos terceiros que atuam em parceria com a empresa;
- Ter um sistema interno de controle financeiro para garantir que práticas de corrupção não sejam omitidas;
- Comunicações e treinamentos periódicos sobre o Programa de Compliance, devidamente documentados e para todos os níveis da empresa;
- Aplicação consistente de medidas disciplinares quando forem detectadas violações do Programa de Compliance;
- Orientar e dar assistência a todos os empregados em aspectos relacionados ao Programa de Compliance, possibilitando a realização de denúncias de forma confidencial e sem retaliação;
- O programa de Compliance deve ser reavaliado periodicamente, considerando o desenvolvimento dos negócios e das práticas empresariais.
Destaca-se que o compromisso da alta administração é um dos elementos mais relevantes para um efetivo programa de compliance, onde é necessário dar o exemplo, prover os recursos para as ações a serem realizadas para garantir o processo de comunicação e de aculturamento; implementar mecanismos de controle e monitoramento, estabelecer um código de conduta e estimular a melhoria contínua da empresa ou organização.
Tal pressuposto segue e ratifica as expressões “top down” e “tone of the top” para demonstrar que os programas de compliance e integridade dependem fundamentalmente daqueles que estão no topo da estrutura da empresa, ratificando que a liderança para implementação desses programas tem o reconhecimento, a legitimidade e o compromisso da alta administração para o seu funcionamento
Na prática, para melhor operacionalizar esse programa, muitos têm defendido a necessidade da existência de “pilares” (LEC,2018)[7] como condicionantes para a organização e a implementação de um programa de integridade e compliance, que se configuram como linhas mestras simples, fortes e abrangentes, sem margem para dúvidas quanto à direção a ser seguida.[8]
Sobre o assunto a Legal Ethics Compliance-LEC define que:
“ um programa de compliance é um sistema complexo e organizado, composto de diversos componentes, que integra com outros componentes de outros processos de negócios da empresa, e também com outros temas. É um sistema que depende de uma estrutura múltipa que inclui pessoas, processsos, sistema eletrônicos, documentos, ações e ideias.”
Não muito diferente de outras linhas de abordagem, a LEC relaciona como componente mínimos ou pilares: o suporte da alta administração; a avaliação de riscos; o código de conduta e políticas de compliance; os controles internos; o treinamento e comunicação; as investigações internas; os procedimentos de due diligence; e, monitoramento e Auditoria.
Ressalte-se que, tais pilares não se aplicam somente o setor empresarial, pois tais componentes em sua maioria são também aplicáveis ao setor público.
4. Pilares do Programa de Compliance
O Parágrafo Único do artigo 41 do Decreto nº 8.420/2015, estabelece que o programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o constante aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade.
Assim, considerando os “pilares” necessários em relação às exigências da Lei Anticorrupção e do respectivo decreto de regulamentação, verifica-se que operacionalmente a implementação de um programa de compliance não é algo tão trivial, pois envolve custos, pessoas, cultura, estrutura, marcos regulatórios, relacionamento com stakeholders e outros fatores.
Não se pretende discorrer sobre todos esses elementos. Contudo, é necessária uma abordagem mais detalhada sobre alguns deles, para entender os desafios que se colocam no cenário atual e, a partir daí, analisar as tendências que permeiam a efetividade dos programas de compliance.
Inicialmente, quando se fala do apoio da alta administração NEVES (2017), assevera que o ponto de partida de um programa de compliance não é o código de conduta, antes é o comprometimento, o tom da liderança (the tone of the top) demonstrando de modo inequívoco que os líderes a empresa abraçam a cultura da honestidade nos negócios[9].
Assim, é imprescindível, tal apoio não seja simplesmente um discurso referendando a concordância com existência de programas de compliance. Além de dar exemplo, todo plano de ação deve ser impulsionado e legitimado pela alta de administração ao garantir recursos, fomentar capacitações, contratar empresas de consultoria, fortalecer as auditorias internas e garantir processo de monitoramento e comunicação.
Ou seja, não se pode supor que o apoio da alta administração signifique apenas a ação de apertar o botão de “start”. São necessárias ações claras que ratifiquem uma mudança na cultura da alta administração em relação à integridade para que essas ações sejam visualisadas e incorporadas pelos funcionários da empresa.
Sobre a cultura GIOVANNINI (2018)[10] registra que a liderança ocupa posição de destaque desde a introdução do programa de compliance, visto que por seu intermédio, o compliance penetra na cultura da organização. Assim, a alta direção deve desempenhar a função de patrocinadora da iniciativa, permanecendo como alvo de maior atenção dos funcionários, sendo seus atos “imitados” naturalmente, por admiração, por sinais de lealdade e por receio de qualquer outra razão.
Reconhecendo a imprescindibilidade do apoio da alta administração, passa-se a abordar, de forma conjunta os pilares de avaliação de riscos, controles internos e monitoramento/auditoria, haja vista sua interrelação natural.
Com relação à gestão de riscos, a partir da década de 90, objetivando orientar as organizações quanto a princípios e melhores práticas de controle interno, que incluem a gestão de riscos, o Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission – COSO publicou o Guia Internal Control – Integrated Framework (COSO I). Sob a ótica da gestão de riscos, o grande desafio era entender as eventuais ameaças a que as corporações estavam submetidas num mercado competitivo, dinâmico e globalizado.
Nesse período, também é importante citar o Acordo de Basiléa como percursor da gestão de riscos, que teve como foco a distinção do risco de crédito nas operações bancárias. Além de ser um importante referencial histórico, o Acordo de Basiléa influenciou para que as instituições bancárias estivessem atualmente mais estruturadas e avançadas, no que se refere à implementação da gestão de riscos.
Mais recentemente, a ISO 31000/2009 definiu princípios, estrutura e processos para implementação da gestão de riscos, aplicáveis a organizações de qualquer setor, atividade e tamanho, a qual possibilita dentre outros, aumentar a probabilidade de atingir os objetivos; melhorar a identificação de oportunidades e ameaças; atender às normas internacionais e requisitos legais e regulatórios pertinentes; melhorar a confiança das partes interessadas; melhorar os controles; e, melhorar o desempenho em saúde e segurança, bem como a proteção do meio ambiente;
A grande questão é que, mesmo reconhecendo a importância da gestão de riscos, muitas empresas sequer conhecem ou aplicam tal procedimento. Com relação ao assunto foi realizado um trabalho pela KPMG (2017)[11] denominado Pesquisa Maturidade do Compliance no Brasil, a qual constatou que apesar de ser fundamental identificar e monitorar os riscos de compliance para estabelecer um programa eficiente de compliance, apenas 58% das empresas pesquisadas afirmaram possuir mecanismos de gestão de riscos de compliance, enquanto que 42% informaram desconhecê-lo.
Sinaliza-se por meio dessa pesquisa uma necessidade de maior profusão e orientação junto ao setor empresarial no sentido de demonstrar a relevância da gestão de riscos, a qual, se implantada devidamente, poderá, dentre outras, aumentar a probabilidade de atingir os objetivos; identificar e tratar os riscos através de toda a organização; melhorar a identificação de oportunidades e ameaças; atender às normas internacionais e requisitos legais e regulatórios pertinentes; melhorar a governança; melhorar a confiança das partes interessadas; e, melhorar os controles[12].ABNT, ISO31000/2009
Contudo, além da gestão de riscos deve se considerar também a importância dos controles internos e da atividade de auditoria interna, pois, um programa de compliance tem de funcionar de forma sistêmica e equilibrada, onde a gestão de riscos, auditoria interna e o funcionamento dos controles tem de coexistir de forma sistêmica e integrada. Situação esta melhor abordada pelo Instituto dos Auditores Internos do Brasil no documento: As três linhas de defesa no gerenciamento eficaz de riscos e controles[13], onde deixa patente que:
“Não basta que diferentes atividades de risco e controle existam – o desafio é determinar funções específicas e coordenar com eficácia e eficiência esses grupos, de forma que não haja “lacunas” em controles, nem duplicações desnecessárias na cobertura.
Responsabilidades claras devem ser definidas para que cada grupo de profissionais de riscos e controle entenda os limites de suas responsabilidades e como seus cargos se encaixam na estrutura geral de riscos e controle da organização.”
Outro grupo importante a ser analisado, é aquele composto pelo código de conduta, políticas de compliance, canais de denúncia e investigações internas e duo diligence. Todos esses instrumentos analisados de forma conjunta se complementam no sentido de estabelecer comportamentos, dar transparência, estabelecer mecanismos de apuração e garantir ações integradas junto a terceiros.
A partir da identificação do ambiente regulatório, do mapeamento da gestão dos riscos é possível estabelecer a política de compliance e o respectivo código de conduta, instrumento que delimita o comportamento ético de seus agentes, principalmente quanto à postura junto a terceiros sejam eles do setor público ou privado.
Para GIOVANNINI (2018)[14] o Código de Conduta é a pedra fundamental de um sistema de compliance, com a obrigatoriedade de refletir os princípios e valores da organização, de modo claro e inequívoco. Conforme a cultura, pode ser um documento simples, direto e pragmático ou detalhado, com exigências específicas.
De forma complementar a instauração de canais de denúncia e de mecanismos de apuração solidificam um programa de compliance, haja vista que sem esses instrumentos a existência de um código de conduta por si só, não trará a credibilidade necessária e comprometerá a efetividade almejada para a integridade da empresa.
Nessa linha NEVES (2017), retrata que qualquer violação ao código de conduta e às políticas de compliance pode ser objeto de denúncia e investigação. Os empregados devem ser estimulados a apresentarem suas preocupações sobre potenciais violações e deve ser assegurado o sigilo das denúncias para que cada um sinta-se seguro que não sofrerá retaliação ou discriminação.
Outro instrumento importante é a utilização da prática de duo diligence, onde a organização, conhecendo os riscos de seu ambiente externo, verifica junto àqueles que farão parte da sua rede de relacionamento comercial, se eles, possuem a aptidão específica para a transação realizada e se tem histórico de práticas comerciais antiéticas, que poderão expor ou comprometer a imagem ou a política de compliance da organização.
Por fim, restam os pilares relativos ao treinamento e comunicação, que na prática, representam o elo entre os demais os pilares, pois devem estar presentes em todas as fases da implantação de um programa de compliance, fortalecendo a incorporação dos novos conceitos e abordagens, constituindo-se em fator fundamental para mudança de cultura na construção de um ambiente ético e integro.
Assim, numa visão mais ampla sobre os pilares necessários à implementação de um programa de compliance, destaca-s a importância da necessidade de uma visão sistêmica para a implantação e continuidade do programa.
Para isso, deve-se considerar a interrelação entre esses componentes. Ou seja, não basta que se faça a gestão de riscos sobre os processos, por que os riscos de conduta estão nas pessoas; não adianta elaborar um código de conduta, se a empresa não estiver disposta a ouvir e apurar os ilícitos denunciados; não é suficiente dizer que aprova a compliance, sem dar os elementos necessários ao seu funcionamento; principalmente, o exemplo.
5. Desafios e tendências
Levando-se em conta que a globalização econômica, o conhecimento do ambiente regulatório interno e externo ao qual as empresas estão submetidas, a implantação de um programa de compliance nas empresas torna-se muito mais onerosa complexa.
Assim, um dos primeiros e mais relevantes elementos a serem considerados é o custo de um programa de compliance.
Mediante pesquisa realizada em 2014, a DELOITTE[15] estimava que em 75% dos participantes, o investimento anual em compliance era de até R$ 1 milhão por ano. Posteriormente, em levantamento mais recente a KPMG (2016) foi apontado que entre 5 a 8% dos setores pesquisados tinham um orçamento superior a 5 milhões em gastos com a área de compliance.
Considerando-se tais valores como referência, verifica-se que a implementação do programa de compliance tem um elevado custo, haja vista que compreende gastos com contratação de pessoas, tecnologia, estrutura, espaço físico e de consultorias específicas.
Além desses itens, dependendo do porte da empresa e de suas relações comerciais com empresas de outros países, o investimento em compliance eleva-se mais ainda, pois o ambiente regulatório é mais exigente, principalmente, nos setores de infraestrutura e de serviços bancários.
Porém, considerando a realidade brasileira, os desafios para implementação de programas de compliance ampliam-se na medida em que as empresas, em sua maioria, são de pequeno porte.
Para ratificar tal assertiva, embora a previsão contida no Decreto 8.420/2015, que apresenta elementos a serem considerados para avaliação do programa de integridade, dentre outros, o porte e as especificidades da pessoa jurídica, existem atualmente no Brasil 16 milhões de micro e pequenas empresas.
Considerando este cenário acompanhado do fator custo, não há outra alternativa senão customizar a implantação do programa de compliance às pequenas empresas, de forma a compatibilizar o programa ao porte das empresas.
Uma iniciativa importante é aquela realizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas-SEBRAE, o qual tem promovido ações de orientar o pequeno empreendedor quanto à importância da integridade nas relações comerciais, além de apresentar sugestões de medidas que podem ser adotadas para estruturar um programa de integridade nas empresas de pequeno porte.
Entretanto, nessa linha de customização, dado o universo de micro e pequenas empresas, é necessário que os demais serviços autônomos ou instituições de classes, onde se congregam os diversos setores da indústria, comércio de serviços e outras áreas, coloquem à disposição das micro e pequenas empresas, consultorias e cursos de capacitação sobre gestão de riscos e elaboração de códigos de conduta e demais instrumentos para a compliance.
Além dessa iniciativa, poderia ser avaliada a possibilidade de se criar canais de denúncia compartilhados para as pequenas empresas, funcionando como mecanismo de ouvidoria, o que minimizaria os custos de implantação e de manutenção desse instrumento.
Com tais medidas, além de minimizar os custos de compliance, fortaleceria os mecanismos de governança corporativa, internalizando a cultura da integridade à maioria dos estabelecimentos no país, em custos factíveis a essas empresas.
Registre-se que ao comentar sobre a atuação das Instituições de Classe, GIOVANINNI (2014)[16], aborda que em diversas entidades dessa natureza, há comissões de ética, grupos de estudo discutindo questões de integridade ou até mesmo, equipes abordando o assunto compliance.
Um outro fator importante para a integridade empresarial, tem sido a inserção nos códigos de conduta de dispositivos que vedam qualquer relação espúria entre agentes públicos ou privados, proibindo qualquer situação que importe em conflito de interesses, pagamento de suborno, doação de presentes ou qualquer fato que venha a comprometer o programa de integridade da empresa.
Sobre a elaboração dos códigos de conduta, BATISTI,(2017)[17], aponta que:
“O ponto de partida é a indicação dos princípios, valores e missão da companhia. Orientações sobre prevenção de conflito de interesses e os pontos que revelem eventual conflito devem ser objeto de identificação e análise, e podem ser parametrizados. A vedação de atos de corrupção e fraude só pode ser compreendida num contexto de prevenção. Assim, deve ser criado um canal para recebimento de denúncias internas e externas, quer quanto ao descumprimento das regras do próprio Código quer quanto ao descumprimento de outras normas internas de ética e de obrigações”
A tendência é que, por meio dos códigos de conduta e pela ampliação da prática de duo diligence, sejam criadas “redes de integridade”. Seguindo a lógica atual da conectividade e, de modo a não a comprometer a sua imagem, as empresas somente terão relações comerciais com aquelas que não tenham se envolvido com casos de corrupção ou que já tenham programas de integridade implantados.
Nessa linha da conectividade, chama-se atenção para os stakeholders que se relacionam e prestam serviços às micro e pequenas empresas. Tomando-se por exemplo a classe de contábil, verifica-se com base nos dados do Conselho Federal de Contabilidade – CFC, que em 2017 constavam registrados 522.127 profissionais de contabilidade registrados.
A realização de trabalhos preventivos somada à existência de um código de conduta profissional, que contenha dispositivos contendo sanções rígidas a serem aplicadas àqueles que transgridam procedimentos éticos ou legais em relação a empresas públicas ou privadas, se materializaria numa ação importante para o enfrentamento da corrupção, haja vista o efeito multiplicador que ocasionaria, levando-se em conta que alguns escritórios de contabilidade e contadores autônomos prestam serviços a uma infinidade de empresas.
Apesar de citar a classe contábil como exemplo, tal procedimento é extensivo às demais entidades e associações de classe, no sentido de incorporar aos seus códigos de conduta a importância do cumprimento de requisitos éticos para construção de um ambiente íntegro na prestação de serviços às empresas seja do setor público ou privado, o que levaria a existência de uma “rede cruzada de integridade” na medida que se compatibilizaria, sob a ótica da integridade, as ações previstas nos códigos de conduta das empresas e dos respectivos prestadores de serviços que integram sua rede comercial.
Assim, na medida que tal exigência for se disseminando, essa “rede de integridade” se tornará mais ampla, restringindo cada vez mais a atuação de empresas que não adotam programas de compliance ou que estejam envolvidas com casos de corrupção, o que alcançará também os stakeholders envolvidos em sua relação comercial.
6. Práticas positivas para a integridade
Outra questão relevante na implantação da compliance, é a imagem reputacional da empresa, onde vislumbra-se demonstrar como a organização é gerida em relação às melhores práticas de governança, gestão de riscos e o seu comportamento quanto a procedimentos íntegros no ambiente que atua.
Ao contrário da argumentação de que a compliance é um fator de custo para as empresas, na verdade ela se transforma num investimento, haja vista que pode trazer ganho de credibilidade junto a clientes e fornecedores, ampliando sua visibilidade no mercado externo, diante do aumento da eficiência produtiva, melhora nos níveis de governança corporativa e de mecanismos de prevenção.
Assim, reconhecendo a importância da compliance e dos consequentes ganhos de imagem que sua implantação lhe oferece, algumas ações estão sendo realizadas pelas empresas no sentido de demonstrar e divulgar suas ações em prol da integridade.
Uma prática que vem sendo adotada é a Declaração Anticorrupção20 ZENKNER, (2017), quando a empresa emitente manifesta publicamente sua intenção de cumprir uma série de compromissos anticorrupção, seja durante a realização de seus negócios de um modo geral ou durante o curso de determinado projeto ou contrato específico.
Outro instrumento atualmente utilizado, citado pelo referido autor é a existência de
Pactos de Integridade, modalidade de ação coletiva que envolve a inserção em contratos
“públicos ou privados” de cláusula específica pela qual contratado se compromete à completa e total observância das leis anticorrupção vigentes no pais”
Além desses instrumentos, cita-se também o Cadastro Nacional de Empresas comprometidas com a Ética e a Integridade promovido pela Ministério da Transparência-CGU em parceria com o Instituto Ethos, sendo anualmente entregue o sêlo Pró-etica às empresas que cumprirem os requisitos de avaliação do programa.
Em síntese, o Pró Ética situa-se na modalidade de certificações de compromissos empresariais, que visa conscientizar e dar visibilidade às empresas que compartilham a ideia de que a corrupção é um problema, que deve ser prevenido e combatido não só pelo poder público, mas também pelo setor privado.
Na mesma linha do Pró Ética, o Ministério da Agricultura publicou no ano de 2017 o “Selo Agro+Integridade”, com a finalidade de premiar empresas do agronegócio que desenvolvam Boas Práticas de gestão de integridade, ética e sustentabilidade, tendo por objetivo principal estimular a implementação de programas de integridade, ética e de sustentabilidade nas empresas do agronegócio.
Por derradeiro, resta a questão da transparência. Enquanto supõe-se que somente a área pública deve ser transparente quanto aos seus gastos, o setor empresarial ao utilizar programas de compliance, deve absorver também em sua cultura a necessidade da transparência.
Sobre a importância da transparência[18], CARLIN (2017) aponta que:
As empresas que executam as “práticas” de Compliance, são as chamadas empresas transparentes, que fazem parte daquele grupo seleto de empresas que não teriam nada para esconder do mercado e de seus stakeholders, melhorando desta forma o seu grau de “Disclosure”, que vem a ser o grau de divulgação de dados em geral de uma empresa para livre acesso ao público em geral, com o objetivo de dar mais transparência a respeito da sua real situação econômica e financeira. Neste sentido, uma empresa transparente tem mais valor agregado, pois as informações que são apuradas e também divulgadas teriam mais credibilidade.
Nesse lógica, até que se entenda que o segredo não é mais a alma do negócio, pelo menos as instituições públicas deveriam exigir que todas empresas que prestam serviços à área pública deveriam publicar em seus sítios os valores e dados dos contratos celebrados, o que certamente traria melhores mecanismos de transparência e acompanhamento dos contratos celebrados no âmbito do setor público/privado.
7. Considerações Finais
Entendidos todos os elementos e componentes relativos à implantação de programa de compliance, tal instrumento não pode ser considerado simplesmente um mero atenuante às sanções decorrentes da responsabilidade objetiva por ilícitos praticados, mas sim, como mecanismo indissolúvel da governança corporativa das empresas que desejam interagir num ambiente íntegro e sustentável, trazendo benefícios relativos à reputação e à credibilidade que alavancarão seus negócios.
Embora a compliance seja imprescindível a qualquer empresa, resta patente a existência de dois universos: um pequeno número composto pelas grandes empresas e uma grande maioria representadas por micro e pequenas empresas.
Assim, os desafios são distintos para essas duas realidades, pois enquanto a implementação do programa nas grandes empresas, embora de alto valor, dependa da interação dos seus vários elementos e condicionantes e do relacionamento com os seus respectivos stakeholders; nas empresas de pequeno porte o fator custo demonstra a necessidade de uma implantação customizada desse programa, mediante o apoio de entidades associativas aos quais as empresas estão vinculadas.
Para ambos os casos, a existência de “redes de integridade” será o fator prepoderante no enfrentamento à corrupção, onde os negócios das empresas estarão condicionados à postura ética de seus parceiros comerciais, seja do setor público ou privado.
Esse é o espírito almejado por aqueles que desejam um Brasil melhor, sem corrupção.
8. Referências Bibliográficas
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[1] Mestrando em Administração Pública no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP); Especialista em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV); Especialista em Auditoria Interna e Externa pela UDF; graduado Ciências Contábeis pelo Centro Unificado de Ensino de Brasília – CEUB 2 BRASIL. Lei nº 12.846, de 01 de agosto de 2013. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 10 de abril de
[2] UBALDO, FLÁVIA in O Compliance Como Instrumento de Prevenção e Combate à Corrupção Marques, Jader / Porto,Vinicius; pág 121
[3] CANDELORO; RIZZO; PINHO, 2012, p. 30
[4] BRASIL. Decreto nº 8.420, de 10 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8420.htm. Acesso em: 10 de abril de 2018
[5] IBGC, 2018. http://www.ibgc.org.br/index.php/governanca/governanca–corporativa. Consulta realizada em 30 de abril de 2018.
[6] OCDE, Good Practice Guidance on Internal Controls, Ethics, And Compliance, disponível em https://www.oecd.org/daf/anti–bribery/44884389.pdf, consulta em 30/04/2018
[7] SERPA, DANIEL. Os pilares de um programa de compliance. Legal Ethics Compliance, 2018.
[8] GIOVANNI, WAGNER in Compliance, gestão de riscos e combate à corrupção: integridade para o desenvolvimento. Belo Horizonte: Fórum, 2018. Pág 71/87
[9] NEVES, Edmo: In: SOUZA, Jorge Munhos; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro. Lei Anticorrupção e Temas de Compliance. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 475-591
[10] GIOVANNI, WAGNER in Compliance, gestão de riscos e combate à corrupção: integridade para o desenvolvimento. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
[11] KPMG, Pesquisa Maturidade do Compliance no Brasil – 2ª edição, 2017, disponível em
https://home.kpmg.com/br/pt/home/insights/2017/01/pesquisa–maturidade–do–compliance–no–brasil–2aedicao.html, consulta em 30/04/2018
[12] ISO 31000:2009, ABNT
[13] IIA,2013. Disponível em http://www.planejamento.gov.br/assuntos/empresas–estatais/palestras–eapresentacoes/2–complemento–papeis–das–areas–de–gestao–de–riscos–controles–internos–e–auditoria–interna.pdf, consulta realizada em 29/04/2018
[14] GIOVANNI, WAGNER. In: SOUZA, Jorge Munhos; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro. Lei Anticorrupção e Temas de Compliance. Salvador: Juspodivm, 2017. Pág 463
[15] DELLOITE, Lei Anticorrupção Um retrato das práticas de compliance na era da empresa limpa.
Disponível em https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/br/Documents/risk/LeiAnticorrupcao.pdf . Consulta realizada em 30 de Abril de 2018
[16] GIOVANINI, Wagner: Compliance: A excelência na prática, 1ª Edição – São Paulo: 2014, pág 402
[17] BATISTI, BEATRIZ, 2017, p. 100, ID.26321)
[18] CARLIN, Everson, Criando Valor nas Organizações, 2017, p. 120