Planejamento nas licitações e nas contratações

Um caso de sucesso no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT 3a): A Cesta de Materiais

Por Aline de Oliveira

Planejar é a chave para o sucesso e eficiência de qualquer ato da Administração Pública, e o que deveria ser recorrente é na verdade raro. Sabemos que planejar evita erros e dá segurança. Em livro lançado pela Editora Negócios Públicos, o jurista e especialista em governança pública, Jair Santana, teve oportunidade de escrever que a palavra planejamento não costuma fazer parte do glossário brasileiro. A cultura nacional se guia pelo inverso: o não-planejar. “Arrisco dizer que somos o povo do não-planejamento. E se não tenho autoridade para discutir a dimensão disso nos domínios antropológico, socioeconômico ou em outros que se queira pontuar o tema, fico confortável para dizer (sob o aspecto das estruturas governamentais) que a premissa acima posta é válida. Embora haja marco legal suficiente para tanto, se pensarmos em planejamento no Setor Público por certo temos muito para avançar. Raramente pensamos em termos de avaliação de metas, custos e resultados dos programas governamentais.   E há uma infinidade de exemplos que podem sufragar a nossa constatação”, afirma.

E Santana conta que no Setor dos Suprimentos Públicos não é diferente. “Estamos longe de efetivar um planejamento mínimo. A começar porque, nesse aspecto, há uma curiosidade bem marcante no tocante ao gasto público que está embalado pela Lei Orçamentária Anual. Esta autoriza a realização de despesas e fixa, de modo estimado, os ingressos que advirão para os cofres públicos. Sabemos de antemão ao exercício financeiro vindouro todas as despesas que serão realizadas (porque isso é uma autorização dada pelo Parlamento segundo as nossas regras orçamentárias). Mas não temos ideia, curiosamente, de um plano de prévio e anual de compras públicas que, noutra dimensão, gerarão as já autorizadas despesas. Esse já é um dado assustador.Se olharmos ao nosso redor, verificaremos que a maioria dos Países da América Latina possui seus planos anuais de contratações públicas (Chile, Equador, Paraguai, etc.), o mesmo acontecendo na América do Norte e Europa. Assim procedendo não nos preparamos com antecedência para o suprimento e nem tampouco alertamos o mercado para as ações governamentais, a despeito de norma existente para esse fim”, conta.

Segundo ele normalmente não temos indicadores para os Suprimentos, raramente falamos em metas, desempenho, avaliação dos riscos, de performance, e assuntos tais inerentes ao Setor. “Começamos há pouco tempo (enfim!) a escutar rumores sobre políticas públicas de desenvolvimento econômico e social induzidas pelo poder de compra governamental. Mas raramente se vê algo sistêmico, consistente e de resultados efetivos. É que para levar adiante um simples plano, dezenas, centenas ou talvez milhares de ações sejam necessárias; e devem ser coordenadas entre os diversos atores que integram o processo. Enfim, às vezes me deparo com pessoas bem intencionadas e cheias de ótimas ideias em torno das Compras Públicas. Por vezes medidas tópicas fantásticas são postas em discussão. Porém – no geral – estão acompanhadas da linearidade comum ao pensamento cartesiano. E não se chega a ótimos resultados exatamente pela falta de planificação. É quando me vejo obrigado a lembrar que um punhado de boas ideias não é necessariamente um plano. Mas, afora tudo o que se disse até então, é óbvio que temos iniciativas excepcionais no Brasil. Pena não sejam a regra! O caso apresentado a seguir pelo TRT 3a Região é um grande sucesso porque concebido de modo sistêmico. Agrega em seu entorno a eficiência, levado o princípio ao ponto máximo da sua aplicação prática”, ressalta Santana.

Case de sucesso

No início do ano de 2014 foi criada a Secretaria de Material e Logística do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que foi o resultado da cisão da antiga Diretoria da Secretaria de Material e Patrimônio (DSMP) da qual surgiram a própria SML e também a Secretaria de Licitações e Contratos (SLC).

Carlos Athayde Valadares Viegas, na época Secretário de Material e Logística do TRT-3ª, contou que logo no início dos trabalhos de estruturação da nova unidade deparou-se com um antigo problema do Regional: o desabastecimento de materiais, especialmente os de consumo.  “Essa situação gerava uma série de reclamações por parte das unidades que se encontravam, muitas vezes, sem os insumos básicos para manter a regularidade da prestação jurisdicional. Paradoxalmente à situação descrita, verificou-se que o Centro de Logística Integrada, contratado pelo TRT junto à Empresa Brasileira de Correios e Telegráfos para guarda e distribuição de materiais, encontrava-se abarrotado de itens, de forma que o espaço ocupado (posições paletes) correspondia ao dobro do que fora contratado, o que gerava, frequentemente, o pagamento de tarifas adicionais”, afirma.

Viegas conta que no que tange ao planejamento das aquisições de materiais, constatou-se que havia uma sobreprojeção do gasto, ou seja, não havia um planejamento abalizado no consumo médio real e na projeção de crescimento ou diminuição do consumo, mas tão somente na repetição dos valores indicados anteriormente, acrescidos da inflação apurada no ano anterior.

“Essa maneira de se fixar o orçamento ocasionava, ao final de cada ano, uma enorme sobra de recursos, que era tradicionalmente convertida em “compras de oportunidade”, em razão do mito de que se houvesse devolução de verba ao final do exercício financeiro no ano seguinte o mesmo montante de verba não seria disponibilizado. Assim, por conseguinte, a primeira providência foi informar um limite de gastos com base na realidade do consumo de materiais pelas unidades do TRT. Levantou-se, então, o consumo médio anual de cada um dos materiais utilizados, com projeção de aumento ou redução do consumo para o ano, a partir de informações sobre a ampliação ou redução de serviços”, diz Viegas.

Paulo Sérgio Barbosa Carvalho, na época Assessor de Desembargador do TRT-3ª (cargo Analista Judiciário), conta que então houve a implementação de uma série de novos procedimentos e também foram alterados entendimentos jurídicos relativos aos processos de compra. “Tal mudança de paradigma exigiu das áreas um esforço maior para fundamentar suas proposições, torná-las adequadas à normatização pertinente, deixá-las mais transparentes e demonstrar, administrativamente, a necessidade de cada aquisição”, afirma.

Viegas conta que como resultado do levantamento do consumo do TRT para a readequação do orçamento da Secretaria de Material e Logística, verificou-se outro fenômeno incidente sobre a cadeia de logística, que é a discrepância de consumo entre os setores, especialmente entre aqueles que têm a mesma finalidade e a mesma carga de trabalho. “A pesquisa realizada foi reveladora sobre o consumo de materiais em todas as unidades do Regional no Estado, especialmente no que tange às Varas do Trabalho, porquanto, aclarou um aspecto que nunca havia sido apontado no Tribunal, que é a enorme diferença de consumo de materiais entre as unidades judiciárias cuja movimentação processual era exatamente a mesma. Como se pode conceber que unidades que possuem idêntica movimentação processual, que possuem idêntico sistema informatizado (o qual padroniza os procedimentos deixando limitada margem para criação administrativa), que se encontram numa mesma localização, que possuem o mesmo público, que julgam o mesmo tipo de causa trabalhista, gastem materiais e insumos de forma tão discrepante?”, questiona.

“A partir dessa constatação, buscou-se investigar as causas de tamanha divergência e, a explicação que se pôde encontrar foi a formação de dezenas, senão centenas, de pequenos “estoques”. Cada unidade possuía uma pequena reserva de produtos que lhes dava autonomia de consumo por vários meses, isso sob a justificativa de que no TRT há falta de materiais. Essa falsa carência gerava a necessidade de pedidos em quantitativos superestimados, que permitiam uma margem de segurança para funcionarem durante meses, formando um verdadeiro círculo vicioso. Concluiu-se, então, que a falta de alguns itens em estoque causava uma sensação negativa nos dirigentes de unidades, que reagiam instintivamente demandando quantidades muito maiores que as necessárias para o seu bom funcionamento. Isso ocasionava o excesso de itens estocados, gerando o pagamento das tarifas extraordinárias. Feita esta constatação, buscou-se compreender o método de trabalho empregado até então pela DSML, referente ao recebimento, análise e encaminhamento de pedidos de materiais. Tratava-se de um procedimento arcaico, no qual era enviado por cada unidade demandante um formulário no qual constavam o código, a descrição do material e a quantidade pretendida”, explica Carvalho.

Viegas e Carvalho contam que não havia uma análise prévia sobre a pertinência do material ou sobre o quantitativo solicitado, normalmente o material que era pedido (consumo ou permanente) era entregue, à exceção de quando o servidor que realizava os lançamentos considerava, a seu critério, um pedido muito desproporcional e, voluntariamente, procedia a consulta junto à unidade para verificar a real necessidade. O que se passava até então é que as unidades é que controlavam o estoque e o setor de logística apenas entregava aquilo o lhe era solicitado, sem qualquer critério objetivo.

Feito o diagnóstico, partiu-se para a implementação de ações visando o enfrentamento dos problemas ainda não atacados, quais sejam: falta de materiais nas unidades, manutenção de estoques próprios nas unidades e o papel secundário da SML na cadeia de logística do TRT que apenas procedia a guarda de materiais e a entrega de bens.

 

Cestas de Materiais

 

“Para tanto, vislumbrou-se que a melhor ação seria limitar o acesso das unidades aos materiais de forma que a SML pudesse efetivamente realizar o controle do estoque. Assim, foi implementado o projeto de Cesta de Materiais, inicialmente, junto às Varas do Trabalho, que consiste na formação de uma cesta composta pelos materiais de consumo mais utilizados pelas unidades, que é entregue mensalmente sem necessidade de que seja solicitada pelas unidades”, conta Viegas.

As cestas de materiais foram compostas seguindo os seguintes critérios objetivos:

1) apurou-se a média de consumo de materiais de cada unidade nos últimos 24 meses;

2) dividiu-se as unidades por grupo de movimentação processual igual ou aproximada;

3) apurou-se a média de consumo destes grupos de Varas.

A cesta então é formada pelos materiais consumidos pelas unidades, mas em quantitativo igual á média do grupo de movimentação processual a que a Vara do Trabalho pertence.

“Ficaram fora da cesta os materiais que não alcançaram uma unidade entregue por mês, estes devem ser solicitados pelas unidades, como também devem solicitar materiais extra, se for o caso de um consumo inesperado. O projeto foi efetivamente implementado em fevereiro de 2015 e, nestes quatro meses, representou uma redução média de consumo de materiais na casa dos 36% comparativamente à média de consumo apurada nos meses anteriores, em que vigia a sistemática tradicional. Convertida essa redução em valores, projeta-se uma economia superior a R$ 920.000,00 (novecentos e vinte mil reais) por ano”, conta Carvalho.

 

“Como o projeto ainda está na fase inicial, tem-se que quando for implementado em todas as unidades do TRT a redução do consumo e a economia orçamentária será ainda maior, alcançando uma redução aproximada de 50% de materiais de consumo no TRT-3ª. Deve-se frisar que, durante este período, todas as unidades judiciárias de primeira instância estão funcionando plenamente, têm cumprindo pautas de audiências completas, vêm emitindo todos os documentos e processando todas as novas ações que lhes chegam diariamente, não havendo sido prejudicadas em seu funcionamento pela implementação do projeto”, ressalta Carvalho.

Para Viegas “pode-se concluir que a adoção da nova sistemática para a distribuição de bens de consumo, adotada no âmbito das unidades judiciárias de 1ª instância deste 3º Regional, foi bem sucedida e indica que o projeto deve ser continuado alcançando a todo o TRT para que se tenha uma economia de recursos ainda maior, e vai ao encontro da almejada de sustentabilidade econômica, ambiental e social”, conclui.

Fonte: Portal Sollicita

Planejamento nas licitações e nas contratações

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para o topo
Pular para o conteúdo