Impedimentos de participação em licitação

Situações polêmicas

Por Melissa Pereira

No que diz respeito às hipóteses de impedimento de participação em licitação, importante citar o disposto no artigo 9º da Lei 8.666/1993:

Art. 9º Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários:

I – o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou jurídica;

II – empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela elaboração do projeto básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital com direito a voto ou controlador, responsável técnico ou subcontratado;

III – servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação.

Ressalta-se que o dispositivo legal acima citado se constitui em rol taxativo, isto é, nenhuma outra hipótese que não esteja ali prevista poderá ser considerada como impedimento de participação em licitação. A esse respeito comenta Uadi Lammêgo Bulos:

O art. 9º, da Lei 8.666/1993 lista, taxativamente, o rol de hipóteses, com base numa ordem numerus clausus, pelas quais pessoas físicas ou jurídicas encontram-se impedidas de participarem, direta ou indiretamente, de licitações, nos termos ali previstos. Neste particular, só o Poder Legislativo, e mais ninguém, poderá regular a matéria, sob pena de ofensa direta ao disposto no art. 22, XXVII, do Texto Magno. Assim, presentes os pressupostos lógico – pluralidade de objetos e de ofertantes; jurídico – atendimento ao interesse público; e fático – pesença de vários interessados em disputar o certame, nada poderá invalidar, do ponto de vista jurídico, a licitude e a legitimidade do certame licitatório. O contrário disso seria empreender interpretação inconstitucional de leis constitucionais[1] (sem grifos no original)

Nesse sentido, compreende-se que não poderão participar, direta ou indiretamente da licitação:

1. o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou jurídica;

2. empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela elaboração do projeto básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital com direito a voto ou controlador, responsável técnico ou subcontratado;

3. servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação.

Apesar do caráter taxativo do artigo 9º da Lei 8.666/1993 muito se discute acerca da possibilidade de se incluir nos editais, no rol de impedimentos de participação em licitação, mais duas hipóteses: empresas com sócios em comum e a existência de relação de parentesco entre o participante da licitação e membro da entidade promotora do certame. O principal argumento para tanto é o flagrante indício de fraude à licitação nestes casos.

A participação de empresas com sócios em comum pode ensejar a restrição à competição e a eventual existência de acordo prévio entre estas para que uma delas seja a vencedora do certame. A relação de parentesco entre o participante da licitação e determinado membro da entidade promotora do certame, por sua vez, pode acarretar a eventual prática de favorecimento, o que configura fraude ao certame.

Considerando a polêmica existente em torno desse tema, os Ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) vem manifestando entendimento no sentido de que não há impedimento de participação em licitação nos casos de empresas com sócios em comum ou quando há relação de parentesco entre o participante da licitação e membro da entidade promotora do certame, visto que o artigo 9º da Lei 8.666/1993 constitui-se em rol taxativo. No entanto, a existência de indícios de fraudes no certame, tais como endereços idênticos das duas empresas, ou indícios de favorecimentos a determinado licitante que possui relação de parentesco com membro da entidade promotora do certame, devem ser apuradas e, caso reste comprovada a existência de fraude, o licitante deverá ser inabilitado e devidamente penalizado pela conduta faltosa.

Nesse sentido, convém citar os Acórdãos 1.539/2014 – Plenário e Acórdão 1.621/2014 2ª Câmara, ambos do TCU:

Acórdão 1.539/2014 – Plenário

Voto (…)

10. (…) a jurisprudência desta Corte caminha no sentido de não considerar a participação de sociedades coligadas em um mesmo certame licitatório, por si só, um ato ilícito. Da mesma forma, uma interpretação teleológica da legislação, especialmente a do princípio da igualdade de condições a todos os interessados, leva ao entendimento de que a participação de empresas pertencentes a sócios comuns pode ser considerada regular, se atuarem de forma independente, sem arranjos que possam macular a competitividade do certame[2] (sem grifos no original)

Acórdão 1.621/2014 2ª Câmara

Acórdão: (…)

Os ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão de 2ª Câmara, ACORDAM, por unanimidade, fundamento no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/92; c/c os arts. 1º, inciso II, 17, inciso VI, 143, inciso III, 230 e 250, inciso II, do Regimento Interno, em mandar fazer as determinações sugeridas, de acordo com os pareceres emitidos nos autos. (…)

1.6.2. dar ciência à Secretaria de Portos: (…)

1.6.2.5. da participação de empresas com sócios em comum ou com grau próximo de parentesco no Pregão Eletrônico 1/2010, o que demanda uma análise da comissão de licitação no sentido de apurar se existe risco à competição e aos resultados da licitação, e que é possível, por meio de consulta aos sistemas Sicaf, Siasg, CNPJ e CPF (estes dois últimos administrados pela Receita Federal), verificar a existência de sócios comuns, endereços idênticos ou relações de parentesco, fatos que, analisados em conjunto com outras informações, poderão indicar também a ocorrência de fraudes contra o certame[3] (sem grifos no original).

Frisa-se, ainda, que recentemente, esta Corte de Contas manifestou entendimento no Acórdão 3.108/2016- 1ª Câmara, no sentido de que: “A  presença de sócios comuns em licitações, especialmente na modalidade convite, afronta o art. 3º da Lei 8.666/1993, pois impede a livre concorrência, comprometendo, ainda, o sigilo das propostas, e, consequentemente, o interesse maior da licitação: a busca da proposta mais vantajosa para a Administração.” Veja-se:

Sumário

TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. CONVÊNIO. IRREGULARIDADES NA AQUISIÇÃO DE ÔNIBUS ESCOLAR NO ÂMBITO DO PNTE. AFASTAMENTO DO DÉBITO. OCORRÊNCIA DE FRAUDE NO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. CONTAS IRREGULARES DO EX-PREFEITO. MULTA. RECURSO DE RECONSIDERAÇÃO. CONHECIMENTO. ELEMENTOS INCAPAZES DE MODIFICAR O JUÍZO FORMADO. NÃO PROVIMENTO. A presença de sócios comuns em licitações, especialmente na modalidade convite, afronta o art. 3º da Lei 8.666/1993, pois impede a livre concorrência, comprometendo, ainda, o sigilo das propostas, e, consequentemente, o interesse maior da licitação: a busca da proposta mais vantajosa para a Administração.

Voto (…)

8. Importante salientar que a participação simultânea de empresas com sócios comuns em licitação não caracteriza, por si só, a ocorrência de fraude, mas somente merece ser considerada irregular quando puder alijar do certame outros potenciais participantes. É o que acontece quando se verifica tal coincidência nas licitações sob a modalidade convite, em que os participantes são convidados pela Administração e a publicidade do certame é naturalmente mais restrita, de sorte que a participação de empresas com sócios em comum afasta qualquer possibilidade de competitividade efetiva entre os licitantes, além de comprometer o sigilo das propostas, dificultando a busca pela proposta mais vantajosa para a Administração[4] (sem grifos no original).

É importante alertar que, muito embora a participação de empresas com sócios em comum no Convite não seja considerada hipótese expressa de impedimento de participação em licitação, prevista no artigo 9º da Lei 8.666/1993, é evidente a afronta à livre concorrência e à busca da proposta mais vantajosa, pois trata-se de uma modalidade em que os licitantes são convidados e a publicidade já é naturalmente mais restrita.

Mas como resolver o impasse gerado em torno desse tema? A Administração poderá estabelecer expressamente em edital o impedimento de participação de sócios em comum nas licitações realizadas pela modalidade Convite? E nas demais modalidades? E quando houver comprovada relação de parentesco?

Conforme já comentado acima, não se pode estender as hipóteses de impedimentos de participação nas licitações, uma vez que o rol de situações previstas no artigo 9º da Lei 8.666/1993 é exaustivo. No entanto, é notório que tais circunstâncias geram uma sensação de insegurança para o órgão/entidade que está realizando o certame, no sentido da constatação de uma possível fraude.

É importante ressaltar que o Projeto da Nova Lei de Licitações (PL 559/2013) inclui no rol, o impedimento de participação nas licitações de empresas controladas, controladoras ou coligadas, e de licitante que mantém vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista, civil ou parentesco até o terceiro grau, com agentes públicos responsáveis pela condução do certame, trazendo solução para essa questão tão debatida na doutrina e na jurisprudência. No entanto, o PL ainda está sendo analisado pela Câmara dos Deputados, e aguarda aprovação.

Nesse contexto, por ora, considerando o que dispõe o artigo 9º da Lei 8.666/1993, não é possível estender o rol de impedimentos de participação nas licitações para as empresas licitantes que apresentam sócios em comum ou que possuam relação de parentesco entre o participante da licitação e membro da entidade promotora do certame.

Melissa de Cássia Pereira

Advogada, pós-graduada em Direito Público pela Universidade Anhanguera, co-autora da obra “Pregão Presencial e Eletrônico – Cenário Nacional” e Consultora Jurídica em Licitações e Contratos na Gelic.


[1] BULOS, Uadi Lammêgo. Licitação em caso de parentesco. Jus Navigandi, Teresina, ano 12. n. 1855, 30 jul.2008. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/11555> Acesso em: 03/03/2017.

[2] TCU. Acórdão 1.539/2014. Órgão Julgador: Plenário. Relator: Ministro Benjamin Zymler. Data da sessão: 11/06/2014.

[3] TCU. Acórdão 1.621/2014. Órgão Julgador: Segunda Câmara. Relator: Ministro Aroldo Cedraz. Data da sessão: 22/04/2014.

[4] TCU. Acórdão 3.108/2016. Órgão Julgador: Primeira Câmara. Relator: Ministro Bruno Dantas. Data da sessão: 17/05/2016.

 Fonte: Portal Sollicita 
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